Acidente com óleo no nordeste brasileiro
Aline Lubyi
23 fev 2021
revisão textual: Talita Braga
Você já parou para pensar que o nosso estilo de vida ainda é totalmente dependente de energia de origem fóssil, particularmente do petróleo? Necessitamos dessa energia para nossa sobrevivência, principalmente para o funcionamento dos motores da maioria dos transportes que utilizamos e para produção de diversos bens de consumo essenciais. Para a realização de todas essas atividades é fundamental que tenhamos a compreensão de que os riscos devem se manter em equilíbrio com os benefícios. Mas, infelizmente, algumas vezes esse equilíbrio é perdido, como foi o caso do acidente com óleo no nordeste brasileiro.
Mas, antes de falar sobre o acidente, você sabe o que é o petróleo?
O petróleo é um hidrocarboneto. Isso quer dizer que ele é formado por átomos de Carbono e de Hidrogênio, e existem também pequenas porções de Oxigênio, Nitrogênio e Enxofre que juntos formam um composto viscoso preto de origem fóssil - o que conhecemos como petróleo (para saber mais sobre esse assunto acesse a matéria “Petróleo: um vilão necessário?”).
O petróleo é muito utilizado no nosso dia-a-dia, seja no asfalto que nos deslocamos diariamente, nos combustíveis que movem os automóveis, e até mesmo medicamentos podem conter derivados de petróleo. Mas como esse é um recurso natural, ou seja, foi criado a partir de restos de seres vivos que morreram e com o tempo foram sendo depositados em camadas rochosas, a sua extração em si já é um risco para o meio ambiente. E os riscos não são só voltados ao meio ambiente, desde a perfuração, transporte e refino, até a distribuição final, podem acontecer diversos problemas como contaminações por vazamentos e emissões de gases, que afetam o meio ambiente e também a saúde humana.
O caso do acidente nas praias do nordeste brasileiro
Cabo de São Agostinho em Pernambuco: óleo estacionado na praia mostra o tamanho do crime ambiental nas praias do Nordeste. / Foto: Salve Maracaípe / Fotos Públicas
Unindo esses dois riscos que as atividades com petróleo podem ocasionar podemos citar o acidente nas praias do nordeste brasileiro que ocorreu em setembro de 2019, onde o IBAMA descobriu manchas de óleo que apareceram nas praias da Paraíba, no dia 30 de agosto. Desde então o óleo se espalhou pelos nove Estados do Nordeste: Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Alagoas, Bahia e em novembro, o óleo chegou a atingir a costa do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. O vazamento foi de aproximadamente cinco mil toneladas de óleo que atingiu cerca de 130 municípios, e em consequência, especialistas apontam para o desencadeamento de desafios econômicos, sociais, biológicos e de saúde pública.
O vazamento do óleo atingiu aproximadamente 1/3 de toda a extensão do litoral brasileiro.
Em uma das análises realizadas pela Marinha e Petrobrás foi mostrado que o petróleo não tem tratamento industrial, ou seja, é um petróleo cru. De acordo com os órgãos, o elemento refere-se a um hidrocarboneto, denominado piche. Por isso na época esse poluente ameaçou toda a biodiversidade marinha, impregnando a pele de animais como as tartarugas, aves e inclusive o peixe-boi-marinho, o mamífero marinho com maior risco de extinção no Brasil.
A pesquisa de especialistas mostra que o petróleo cru pode afetar a digestão dos animais e o desenvolvimento de algas, que são essenciais para a cadeia alimentar. O contato imediato com o óleo também faz com que espécies marinhas morram sufocadas e absorvam o benzeno e outras toxinas que são liberadas na água. Conforme o parecer do IBAMA, de aproximadamente onze tartarugas que foram encontradas cobertas de petróleo, apenas quatro sobreviveram e passaram por tratamentos realizados por especialistas. Também ocorreram relatos de aves mortas e golfinhos machucados, além de outros muitos animais marinhos que sofreram com esse desastre. Ainda, o óleo chegou a atingir áreas de Unidades de Conservação, o que impacta negativamente a biodiversidade que existe em áreas que são protegidas por lei.
O acidente já faz parte do passado?
Apesar dessa catástrofe ter sido ocasionada em 2019, estudos mais recentes ocorridos em junho de 2020 ainda publicavam novos surgimentos de óleo, enfatizando praias de Alagoas, Pernambuco e Maceió, o que demonstra que essa realidade não ficou no passado e ainda não está segura. Mais recentemente não há nenhum registro de petróleo nas praias, porém pesquisas afirmam que podem existir partículas depositadas no fundo marinho.
Por isso, apesar de que o alarme já se acalmou, os banhistas ainda devem tomar as devidas cautelas quando viajar para essa região, pois o contato com o piche pode provocar irritações na pele e processos alérgicos. Caso essa contaminação ocorra a recomendação que deve ser seguida é utilizar água em abundância no local, levando em conta o cuidado com produtos adicionais, optando por usar um sabão neutro.
Ainda, as indicações são de não pescar e se alimentar nas regiões que foram contaminadas. Muitos pesquisadores, biólogos, secretários da aquicultura e pesca salientam a importância desse cuidado e sugerem cautela no consumo, já que pode ter ocorrido contaminação. Esse é um fator muito preocupante que ainda está presente nas regiões afetas e que gerou mais pobreza na região, por se tratar da renda gerada pelo trabalho de pescadores, de atividades do turismo, que sem dúvidas foram abaladas, e ainda da segurança alimentar dos próprios moradores.
A demora do reparo desse vazamento foi o principal fator de agravamento para tanto prejuízo. Desde o surgimento das primeiras manchas de óleo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, demorou 41 dias para acionar o Plano Nacional de Contingência do Governo Federal. Esse plano foi instituído em 2013, através do Decreto nº 8.127, com objetivo de lidar com vazamentos de petróleo em águas brasileiras, onde a Marinha era denominada como “coordenadora operacional” das ações para seguimento no combate às manchas. Conforme disposto nesse decreto, enquanto o responsável pelo vazamento do óleo não for identificado, os custos relacionados com as medidas de contenção devem ser cobertos pelo Poder Público Federal. Entretanto, como o mesmo demorou a ser acionado, até que isso ocorresse no 41º dia após o registro do óleo, a limpeza ficou a cargo dos estados, onde as prefeituras ficaram responsáveis pela coleta e armazenamento do produto, até que a destinação final se fizesse orientada pelos governos estaduais. Ainda, é relevante ressaltar que foram as comunidades locais, juntamente com organizações e coletivos, que tomaram frente às ações de contenção do óleo durante esse período inicial, mesmo não tendo acesso aos devidos EPIs (Equipamento de Proteção Individual) que deveriam ter sido prontamente oferecidos pelo Plano de Nacional de Contingência. O Ministro do Meio Ambiente, Salles, nega que tenha havido lentidão nas respostas à tragédia, apelando com o argumento de que todos os órgãos já estariam em ação.
Em 2020 foi publicado um pronunciamento sobre as investigações, que no começo geraram muito tumulto e insinuações, e que nesse momento a marinha finalizou a primeira parte sem apontar nenhum culpado. Caso o responsável por esse crime seja identificado poderá ser multado em até 50 milhões de reais, em referência a Lei 9.605/1988 que condena condutas lesivas ao meio ambiente.
Para conhecer mais de perto o que foi feito após o acidente e os impactos na comunidade e biota local você pode assistir a uma conversa entre cientistas que estiveram à frente desse desastre. A conversa foi realizada no dia 03 de fevereiro de 2021 e pode ser visualizada abaixo:
Referências:
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